O verdadeiro milagre das igrejas evangélicas


Antes do padre Quevedo ficar famoso, houve um tempo em que eu desmascarava pastores vagabundos e exploradores da fé alheia. Isso foi no início dessas igrejas shows de TV que temos hoje. Mas mudei de ideia quando entendi o verdadeiro milagre que ocorria nas igrejas evangélicas. 

Nessa época, havia apenas as igrejas evangélicas tradicionais, sem dissidências. E se alguém fosse expulso de alguma igreja, abrisse uma sem o aval de alguma tradicional e se fizesse pastor não obtinha sucesso. As pessoas não frequentavam essa igreja e o pastor fracassava. Apenas com a advento de igrejas mais agressivas no mercado evangélico, como IURD, Casa da Bênção e Mundial, foi que houve aceitação do povo. A ideia de que bastava entrar para a igreja deles que Jesus dava casa, carro, navio e avião agradou a muitos. E essas igrejas proliferaram que nem praga no milharal. 

Minha equipe científica era composta por um parapsicólogo, um conhecedor de magia branca, dois médicos, um químico e um físico, todos voluntários. O objetivo era desmascarar os milagres anunciados nos cultos evangélicos para depois escrever um livro que tivesse base científica o suficiente para não ser refutado. Depois, seguiria para um documentário de TV. Examinamos mais de 100 "milagres" e não encontramos nenhum. Truques simples de mágica barata, contorcionismos e recuperação natural do organismo eram mostrados como se fossem milagres. 

No último que investigamos, o cenário era de uma senhora paralítica que se levantou da cadeira de rodas durante o culto e foi curada por Jesus (que utilizou o pastor como intermediário). Pegamos os exames da senhora e passamos para os médicos. Na verdade ela não estava paralítica. Não houve ruptura dos filamentos nervosos. Não andava por causa da fraqueza nas pernas e das dores na coluna.

No dia marcado para visita a igreja, um domingo à noite, passamos na casa da senhora curada e ela continuava na mesma cadeira de rodas. Segundo ela Jesus curou, mas como estava sentindo muitas dores preferia ficar na cadeira de rodas.

O local era miserável, digno de um Haiti pós terremoto e tsunami. Tratava-se de uma invasão recente em um córrego que se localizava entre dois montes inabitados. Os barracos recém construídos eram de lonas, folhas de zinco, madeirite e papelão. A igreja era um pequeno galpão construído com tábuas e coberto com telhas de fibrocimento. O piso era em terreno natural (terra batida) e os bancos eram tábuas de construção civil (tábuas de 30 cm) pregadas em piquetes de barrotes fincados no solo e sem encosto.  O pastor era um homem rude, de mãos calejadas e algumas marcas de cortes de faca no rosto. Usava um paletó surrado e tinha uma fala pesada, além dos graves erros de português. 

Chegando a igreja (eu e mais um) fomos recebidos com alegria pelo pastor, que veio até a porta apertar as nossas mãos e nos convidar para entrar. Estava com o laudo médico no bolso para provar que não houve milagre. O culto transcorreu em meio a gritos de "glórias" e "aleluias", com muito júbilo e alegria. Havia cerca de quinze pessoas na igreja. Todos maltrapilhos e alguns de chinelos. O culto seguia o rito normal de qualquer igreja evangélica renovada, com alternância de cânticos, pregações, testemunhos e orações.

Num dado momento, o pastor chamou o Hino 304 da Harpa Cristã. Trata-se do hino "A Face adorada de Jesus". É um hino muito bonito, cuja estrofe de estribilho é:

"A face adorada de Jesus verei,

Com a grei amada, no céu estarei,

Na mansão dourada, hinos vou cantar

A Jesus, minha luz, que me quis salvar!"

Nesse momento a música ecoa na comunidade. O ambiente fica mágico e todos cantam em uníssono. Uma atmosfera suave invade o recinto. Os fiéis entraram numa espécie de transe e começaram a fala em línguas estranhas (glossolalia). Desse modo, renovam suas energias e esperanças para lutarem pela vida. Apenas nesse momento é que têm a oportunidade de esquecer as durezas da vida, a fome e a miséria generalizadas que os acometem. Ganham a esperança de uma vida recompensadora porque "no céu estarei" e "Na mansão dourada, hinos vou catar". Sim, tem uma mansão dourada, com ruas de ouro, paredes cravejadas de diamantes e muita fartura, saúde e paz eternas. Tudo preparado por Jesus e esperando os salvos. Essa promessa se encontra em várias passagens do Apocalipse, principalmente  no Capítulo 21:

10

Ele me levou no Espírito a um grande e alto monte e mostrou-me a Cidade Santa, Jerusalém, que descia dos céus, da parte de Deus.

11

Ela resplandecia com a glória de Deus, e o seu brilho era como o de uma joia muito preciosa, como jaspe, clara como cristal.

12

Tinha um grande e alto muro com doze portas e doze anjos junto às portas. Nas portas estavam escritos os nomes das doze tribos de Israel.

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Os fundamentos dos muros da cidade eram ornamentados com toda sorte de pedras preciosas. O primeiro fundamento era ornamentado com jaspe; o segundo com safira; o terceiro com calcedônia; o quarto com esmeralda;

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o quinto com sardônio; o sexto com sárdio; o sétimo com crisólito; o oitavo com berilo; o nono com topázio; o décimo com crisópraso; o décimo primeiro com jacinto; e o décimo segundo com ametista.

21

As doze portas eram doze pérolas, cada porta feita de uma única pérola. A rua principal da cidade era de ouro puro, como vidro transparente.


Fonte: Apocalipse 21 - Bíblia (bibliaon.com)

Chega a hora do sermão da noite. O pastor convoca um irmão de paletó surrado, todo puído, com os rasgos costurados à mão e mostrando os pontos de linha branca bem aparentes.  Os sapatos possuíam rasgos nas laterais. O pregador dá a "paz do Senhor" aos membros e pede permissão ao pastor para pedir ajuda a um irmão que estava na igreja com fome. Informou que o irmão só tinha comido algumas bolachas pela manhã e que até aquela hora estava sem comer. Peguei todo dinheiro que tinha no meu bolso e no bolso do colega e dei para o "irmão". Naquela época não havia celulares e eu precisava do relógio para ver as horas. Mas acabei dando o relógio para ele também. Depois disso nunca mais usei relógio. O pastor não passava a sacolinha nessa igreja porque conhecia a miséria em que vivia suas ovelhas.  

O pregador da noite fez um sermão maravilhoso e direcionado a camada social a que os fiéis pertenciam. Todos se encheram de fé, esperança e desejo de lutar e vencer na vida. Afinal,  Jesus estava com eles e não havia o que temer. 

Finalizado o culto, entendi qual era o verdadeiro milagre e desisti de desmascarar milagres que não tem importância. Nesse momento, acabou nosso grupo de estudos e seus objetivos. Não tenho algo melhor para oferecer para essas pessoas. Tiro isso delas e o que tenho para dar em troca? Nada. Nunca tire de uma pessoa a única coisa que ela tem. Porque se fizer isso ela morre. Às vezes a única coisa que uma pessoa tem é a fé. E a fé está no dogma que segue. Mas estão sendo enganadas, diz alguém. Você tem algo melhor para oferecer? 

Observo essas igrejas evangélicas frequentadas por ricos e vejo a futilidade das pessoas e a falta de profundidade dos sermões. Os sermões parecem retirados das novelas da TV, com tudo o que é politicamente idiota e agradável a todos. Você sai da mesma forma que entrou. Em nada é edificado. Não há transformação. Levando-se em conta o cuidado dos pastores dessas igrejas para não desagradar a ninguém, os dízimos realmente devem fazer muita diferença. 

Pessoas que antes eram viciadas, desordeiras, indisciplinadas, infelizes, suicidas e a imagem do cão, se renovam e se tornam cidadãs de bem e do bem. Se tornam pessoas asseadas, disciplinadas, batalhadoras, esperançosas e comportadas. Abandonam ideologias toscas que promovem drogas e destroem a família. E para esses milagres há experimentos, evidencias, réplicas e provas. Aquela bêbado, arruaceiro, mau pai e mau filho, agora vemos ele bem asseado, de paletó, amoroso com a família, trabalhando duro e contribuindo para a sociedade. Isso não tem preço. Pior que temos certos partidos políticos lutando para encarcerar um pastor por dez anos e em regime fechado, caso ele não quebre seus princípios mais sagrados: os bíblicos.


Esse é o verdadeiro milagre: a transformação de maloqueiros, baderneiros, cachaceiros, drogados, bandidos e outros em cidadãos honestos, responsáveis, disciplinados e trabalhadores.  



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