Por que ninguém quer ser empregado?
Nunca quis trabalhar para os outros na condição de empregado. Sempre ouvia as lamentações dos meus parentes. Na escola, ainda na sétima série, disciplina "Técnicas Comerciais", o professor falava da relação empregado-patrão. E não achei nada agradável e até doentia a relação que deveria ser a "correta". Lembro que na época questionei o professor sobre a forma correta de se comportar: "correta para quem?" Perguntei ao mestre. As recomendações eram: nunca faltar ao trabalho, chegar na hora, sair sempre depois do horário, não sair para ir ao banheiro ou beber água muitas vezes ao dia (programar o organismo), nunca recusar uma tarefa dada pelo chefe, não falar mal do chefe e nem da empresa, sempre se prontificar a fazer hora extra e trabalhar nos feirados, não ficar olhando para o relógio, cumprir as determinações da empresa, nunca questionar os superiores etc
Eu me senti um bosta sabendo que teria que me submeter a essa escravidão para sobreviver.
Aos treze anos, fiz um curso de eletrônica básica por correspondência no Instituto Monitor e abri minha primeira empresa: uma oficina de conserto de eletrodoméstico. Desde os doze anos, trabalhava com artesanato, fabricando talhas (entalhes decorados em madeira) e jangadinhas de enfeites, também em madeira, para uma serraria próxima a minha casa. Portanto, conhecia muito essa relação empregado-patrão e patrão-empregado. Quando fui alugar a barraquinha, a senhora olhou para mim e disse: "chame seu pai, não trato com crianças". Falei para ela que não tinha pai e que meu pai era eu mesmo (meu pai morreu quando eu tinha 10 anos). Consegui convencê-la a alugar a barraquinha. Uma barraca de madeira na esquina do terreno da casa, área aproximada de quatro metros quadrados, com uma porta de acesso atrás e uma janela com balcão, tipo pega-bêbado. Coloquei a placa "Eletrônica. Consertos de rádios, radiolas, TV e outros". Nessa época ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) ainda não era "um instrumento indispensável para identificar a responsabilidade técnica e assegurar à sociedade que a atividade foi realizada por um profissional habilitado". Os serviços sem ART eram péssimo, iguais aos serviços dos médicos, que até hoje não possuem ART (SQN). Naquela época a garantia dos serviços estava na capacidade do profissional e não na ART. A oficina deu certo e tirei o meu sustento dela até concluir o Técnico em Mecânica. A partir daí, fechei a oficina e fiz a besteira de ir trabalhar como empregado. Foi a pior época da minha vida. Muita exigência e pouco dinheiro, muita picuinha, gente falsa, chefes assediadores e ambiente doentio. Não foi à toa que em 93 tive um esgotamento nervoso e fui parar no hospital. Por mais que eu fizesse, nunca conseguia satisfazer aos meus superiores. Não nego que a coisa melhorou um pouco depois da CF de 88 e da liberação dos sindicatos. Em 99, deixei de ser empregado e nunca mais quero voltar a ser.
Empregado é um escavo legalizado e a regulamentação se encontra na CLT. Nunca gostei dessa CLT e sempre procurei fazer acordos extra CLT com meus patrões. E consegui alguns.
O empregado vende a sua alma para o patrão. É obrigado a mentir, trapacear e ser covarde com os colegas de trabalho. Ser sacana e covarde com os colegas para mostrar lealdade ao patrão é a ordem. Palestrantes escrotos são contratados para emprenhar os empregados pelos ouvidos, ensinando aos mesmos como ser escravos sob a alcunha de "resiliência", "lealdade" "pontualidade" e outras besteiras (e alguns até fingem que acreditam nas idiotices que são pregadas). Basta a palavra "profissionalismo" que todo profissional decente conhece, sem precisar de palestrantes escrotos. Está com a demissão do colega na gaveta e na hora do almoço escuta o colega contar os planos para o casamento e as dívidas que precisa fazer, mas não diz nada. Deixa o colega se ferrar para garantir o emprego. Alguns até roubam para o patrão. Um funcionário de 55 foi levar documentos urgentes para serem assinados. A mesa do gestor estava rodeada de pessoas e o funcionário ficou circulando em volta tentando encontrar um espaço para ter acesso ao local. Daí o gestor dá um esporro no funcionário chamando ele de peru doido na frente de todos. Esse aconteceu comigo (na época que ainda era escravo): fui levar alguns documentos para o chefe da engenharia assinar. Era uma sala grande com várias mesas e empregados trabalhando. Ao fundo, ficava a mesa do chefe. Ao lado da mesa ficavam alguns assentos (sempre lotados) para que visitantes, fornecedores, vendedores etc pudessem aguardar o atendimento. Entrei na sala, dei um sonoro "bom dia" e me dirigir ao chefe. "-Preciso que você assine isso aqui, Paulo", falei. Ele olhou para mim e disse: "-Olha menino, deixa eu te dizer uma coisa, quem me chama de Paulo é minha mulher. Você me chama de doutor Paulo. Estamos entendidos?". Pude verificar alguns sorrisos de canto de boca. Daí respondi no o mesmo teor e forma: "-Olha Paulo, deixa eu te dizer uma coisa, quem me chama de menino é minha mulher. Você me chama de "doutor Heitor. Estamos entendidos?". Ele então perguntou com sarcasmo: "-E você é doutor?". Respondi: "-Não. Você é?". Fui demitido.
Anos de opressão, assédio, humilhação, falta de ascensão e depreciação pessoal e profissional adoecem e destrói o caráter e a personalidade. São pessoas doentes e não confiáveis.
Agora com essas empresas politicamente idiotas, que adotam ideologias toscas e obrigam empregados a "compreender, aceitar, celebrar e valorizar" ideologias contrárias aos seus princípios morais, éticos e religiosos, o assédio moral ficou bem pior.
Os danos dessa relação são tão grandes, que alguns até se acostumam, como alguns presos e escravos que, mesmo libertos, não desejam mais a liberdade. Isso explica porque alguns aposentados, mesmo sem precisar de dinheiro, continuam nos empregos. Outros entram em depressão e perdem o sentido da vida quando se aposentam. Transformaram seus empregos na razão de viver, mesmo sabendo que existem milhões de coisas interessantes e prazerosas para fazer. Os danos dessa relação são realmente graves e precisam ser repensados.
Quanto a mim, o que eu queria mesmo era ter nascido rico e filho único. Bom mesmo é ter dinheiro sem precisar trabalhar. Sendo rico, não queria saber de trabalho, mas iria me manter ocupado vinte e quatro horas por dia. Sim, iria atrás das milhões de coisas interessantes e prazerosas para fazer (que muitos podem e não fazem porque são doentes ou frescos). Outros, mesmo aposentados, preferem perder o resto de vida que ainda possuem cuidando de netos ou resolvendo coisas erradas dos filhos. Mesmo precisando trabalhar para pagar as contas, reservo o pouco tempo e dinheiro que tenho para MEU esporte e MEU lazer.
Não aconselho ninguém a chegar aos 40 trabalhando como empregado (celetista). Nessa idade, ou você faz um concurso público (não celetista) ou abre seu próprio negócio. Chegar nessa idade levando esporro, sendo humilhado e fazendo coisas contrárias aos seus princípios, faz de você um cidadão, pai e marido desmoralizados. Isso se conseguir emprego após os 40. Nesse idade o profissional atingiu seu auge e está caro. As empresas preferem outros com menos experiência e mais baratos. A ideia é contratar um mais barato e tirar o sangue para que funcione como eles querem (inclusive com desonestidades e sacanagens em beneficio da empresa). Até já ouvi um tal de "tem outro profissional aí fora que faz a mesma coisa que você faz cobrando 50% do valor". E quem faz isso são exatamente as empresas metidas a politicamente idiotas nas propagandas e nas redes sociais, com aquele discurso hipócrita de inclusão, igualdade, respeito a diversidade, responsabilidade social etc
As humilhações e constrangimentos dos empregados começam já na seleção. As dinâmicas de grupo e os exames médicos que são obrigados a participar não me deixam mentir. Rolar pelo chão, rebolar e sentar no colo do colega para conseguir um emprego é humilhante e constrangedor. Obrigar um senhor de 60 a se despir na frente de um médica que tem idade para ser sua neta é humilhante e constrangedor.
Algumas empresas tentam animar os empregados com promoções internas. E para isso inventam clubes recreativos e sociais, times de futebol, campanha disso, campanha daquilo, confraternizações, premiações simbólicas etc Isso nunca funcionou. Os empregados fingem que gostam e vão apenas pelo compromisso. Mesmo assim, doidos para escapar disso. Na verdade o que cada empregado quer mesmo é pegar seu dinheiro e ir viver com os seus. É apenas com os nossos que ficamos à vontade, sem nos preocuparmos como nos comportamos e com o que falamos. Ninguém quer passar o dia ou a semana trabalhando, sendo cobrado, fiscalizado e vigiado, para depois ter seu lazer com os mesmos opressores. De nada adianta premiar o trabalhador com fotos, certificados, medalhas, palmas e tapinhas nas costas, se depois o trabalhador precisar ir para casa à pé, pegar ônibus, debaixo de chuva e numa BR escura e perigosa. Alguns moram em barracos, dentro de favelas, em locais imundos e perigosos. Como promover social e profissionalmente um trabalhador que suas necessidades básicas não são atendidas? Como exemplo, cito um trabalhador recém contratado de uma indústria de reciclagem que sempre era pego dormindo pelo encarregado. A explicação que deu foi que não conseguia dormir à noite. Morava em um barraco à beira de um brejo. O calor e o enxame de pernilongos pretos não deixavam ele dormir. Mesmo com um calor insuportável, sem mosqueteiro e sem ventilador, precisava ficar a noite toda enrolado no lençol, apenas com a ponta do nariz de fora. O calor, as picadas alergênicas e o zumbido irritante não o deixavam dormir. Que raio de premiação é esse? Quer que sua empresa seja inclusiva, tenha responsabilidade social, aceite as diferenças e promova a diversidade? Pergunte ao trabalhador qual sua maior necessidade e busque uma forma de suprir, mesma que seja parcial e a longo prazo. O que passa disso é propaganda enganosa e hipocrisia corporativa. A maior diferença e preconceito de diversidade que existe no Brasil é a social. Isso mesmo. O maior preconceito que existe no Brasil não é contra gays ou negros. É contra pobres. Os pobres são as maiores vítimas do preconceito. E não há nenhuma ação ou mesmo defesa para eles. Mas isso todo mundo sabe e finge que não sabe...
Trabalhar como empregado é importante em início de carreira, para ganhar experiência e ficar conhecido. Mas em no máximo cinco ou seis anos já é bom ir se preparando para um concurso público ou movimentando algum negócio próprio e paralelo ao emprego.
E não adianta sair do Brasil. Pobre é pobre e empregado é empregado em qualquer parte do mundo. Não se iluda. Ninguém quer ser empregado porque não presta, é obrigado a ser falso, cometer injustiças, sacanear colegas, não tem qualidade de vida, é degradante, doentio, humilhante, constrangedor e até desmoralizante. Existe um milhão de atividades econômicas para se ganhar dinheiro sem ser empregado. Escolha a sua e sucesso.